terça-feira, 28 de junho de 2011

Castel Sforzesco de Milão: Senhorial edifício da nobre família Sforza

Viajando pela Europa, conheci inúmeros castelos. Um deles, muito belo e senhorial, é o Sforzesco, localizado atualmente dentro da própria cidade de Milão, na Itália.

Não tive tempo de ler nada sobre ele, apenas entrei, admirei e saí. Infelizmente, todos os móveis haviam sido retirados do edifício.

Pertence à nobre família Sforza, que reinou na região da Lombardia. Sforzesco quer dizer propriedade dos Sforza.



É um castelo com grandes torres, edificado com pedras lavradas de modo muito bonito.

As pedras ficam em seus quatros lados, não pontudas propriamente; mas vão se elevando até formar uma crista redonda no centro.

E o tempo tornou a pedra meio dourada.

Pátio interno

Uma visão muito bela do edifício é percebida em seu pátio interior, todo cercado de muralhas.

Dentro dele perdia-se completamente a noção da cidade. Tinha-se a impressão de estar no campo.

O pátio estava ligeiramente ajardinado, com um agradável négligé poético e encantador, que os italianos sabem pôr nas coisas.

Quando se falava numa extremidade do pátio, ouvia-se o eco na outra.

Tinha-se a impressão de ecos do passado, que ainda repercutiam em nossos dias.

O castelo possuía em alguns lugares pontes levadiças, e em torno dele havia um fosso. Quando o inimigo se aproximava, levantavam-se as pontes.

Com o tempo, desaparecendo as guerras urbanas, as pontes levadiças ficaram permanentemente abaixadas.

Torre central
As traves e as correntes que suspendiam as pontes foram caindo em desuso e acabaram apodrecendo. Foi um erro, pois não deveriam ter permitido que isso acontecesse.

Em vista desse desleixo, em alguns lugares via-se um buraco no local que tinha servido para alojar as traves e as correntes.

Turistas passavam olhando através desses espaços vazios sem entender nada.

De repente, um deles viu através de um desses buracos um automóvel velho. Voltou-se para a esposa e disse: “Olha a marca daquele automóvel ...”

Sintoma frisante de vulgaridade! Diante de uma coisa maravilhosa como as muralhas daquele castelo, o turista prestou atenção na marca de um carro...

A beleza grandiosa de um edifício multissecular não era captada pelo homo hodiernus, fascinado pela mecânica.




GLÓRIA CRUZADAS CATEDRAIS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCATEDRAIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

terça-feira, 21 de junho de 2011

As famílias dos castelos e o tufão destruidor

No castelo de Maintenon

Meu avô tinha seus padrões, suas fidelidades, seus rancores, suas convicções. Ele tinha o senso da honra junto ao culto do passado.

Ele era a intolerância feita homem. Inflexível, sem nuances, vivia num sistema no qual não faltava nenhuma parte.

Mas pura e simplesmente seu sistema não mordia mais o mundo. Mas ele pouco se importava.



Meu avô era discípulo de Bossuet. Era leitor assíduo de Barrès, o qual escreveu: “O que amo do passado? Sua tristeza, seu silêncio e, sobretudo sua fixidez”.

Maintenon, França
Gostava de história porque ela é imóvel, tendo já entrado numa eternidade inapelável.

Ao ouvir ‘La Marseillaise’ meu avô fingia não reconhecer aqueles acordes detestáveis. Foram necessários milhões de mortos, entre os quais vários de nossa família, para nos reconciliar com ela.

E meu avô vivera bastante para vê-la transformada numa manifestação tão reacionária, e talvez até mais conservadora do que os cantos de nossos chouans e de Monsieur de Charette.

Os homens e, sobretudo as mulheres de minha família liam muito pouco. Ouço em torno de mim lamentações a propósito da ignorância dos jovens.

Maintenon, Grande Gallerie
A estes, a escola, o cinema, a televisão e as viagens tinham trazido à família ‒ na desordem e na indiferença ‒ às vezes no esgotamento mental, um maior número de mentalidades, de paisagens, de verdades e de loucuras, de certezas e de dúvidas do que a chasse à courre, o protocolo da vida de château e as lições de nosso capelão.

Assim, perdíamos as evidências; os hábitos e a familiaridade nos levavam a não mais ver as verdades banais, aquele fundo imemorial dos modos de ser e de pensar.


(Autor: Jean d'Ormesson, “Au plaisir de Dieu”, Ed. Gallimard, 1980, 626 páginas.)


GLÓRIA CRUZADAS CATEDRAIS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCATEDRAIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

terça-feira, 14 de junho de 2011

Imponderáveis da “vida de castelo”

Relógio em Vaux-le-Vicomte
Continuação do post anterior

Prosseguimos com a narração de Jean d'Ormesson, filho do marquês, então criança, no castelo de Saint-Fargeau, Borgonha:

A vinda de M. Machavoine [o relojoeiro da cidadinha vizinha] me lançava em delícias inefáveis. Ele falava pouco. Pequeno, curvado, fazia pouco barulho, executando sua função com gestos precisos e seguros, próprios a antiquários ou cirurgiões.



Ele se esgueirava de sala em sala, sempre vestido de negro, cumprimentava rapidamente, concentrava-se em um dos relógios como se fosse um ser vivo, acariciava-o rapidamente, desempoeirando-o com um pequeno espanador, ousava às vezes dar retoques no verniz ou colava alguma figura afrouxada, abria o paciente para lançar um olhar de águia em suas recônditas entranhas e se punha a dar corda com uma firmeza e um tacto excepcionais.

A música desses ritos encantados causava-me uma felicidade que psicanalistas ávidos e subtis de nossos dias tomariam como revelações.

Saint-Fargeau
A calma, a regularidade, a simplicidade, o compassado quase silencioso de seus gestos lançavam-me fora do tempo.

No mais profundo do refúgio constituído pelo verão, pelo château, pelo jardim, os gestos de M. Machavoine abria um outro, ainda mais profundo e mais secreto.

Em razão de um estranho paradoxo seus relógios conseguiam parar um tempo permanecido imóvel desde sempre. Eu me preparava para espiar, todos os sábados, por volta das dez horas, o mágico dos relógios.
No castelo de Breteuil,
até o gato-de-botas ostenta seu relógio

Eu procurava ficar em meu quarto mergulhado na penumbra. Fingia ler um livro. Esperava.

Ouvia os passos do pequeno homem encurvado ressoando nos corredores do château e o som delicioso da remoção dos cristais, das batidas nos mostradores, o girar do mecanismo da corda, as coluninhas re-aparafusadas ou as liras repostas em seus lugares.


Parecia-me ouvir o roçar do espanador e o trajeto dos ponteiros repostos em seus legítimos lugares, sem brutalidade nem fraqueza.

Eu distinguia o toque dos relógios feitos de madeiras embutidas (marqueterie) dos relógios de bronze dourado à la Luís XV; o som dos relógios rococós do salão das chinoiseries dos relógios do quarto azul, o toque do relógio de marfim ou do vaso antigo se distinguia perfeitamente do relógio do quarto ao lado do meu.

Finalmente a porta se abria. M.Machavoine entrava. Eu ficava sem fôlego.

Não mexia afim de melhor gozar a qualidade tão pura dos sons e dos gestos tirados por M. Machavoine do silêncio e da imobilidade. A minúscula exaltação durava alguns instantes.

Eu tinha desregulado os ponteiros para ter o prazer de ouvir soar as horas e as meias horas sob os dedos de M. Machavoine enquanto ele restabelecia, neste seu modesto domínio, a ordem desejada por Deus, por meu avô e por ele.

Breteuil: bonecos com relógio
Ele dava corda, fechava o cristal, dava um último toque com seu espanador ou com um pano de lã, leve como a seda. Estava encerrado. Ele saía.

Às vezes tinha a audácia de segui-lo, melhor ainda, de precedê-lo. M. Machavoine me encontrava então sucessivamente, instalado numa poltrona, mergulhado em minha leitura, visivelmente surpreso de sua chegada inesperada, no quarto da Marquesa ou no quarto dos cravos.

Também ele, penso eu, deveria ter alguma surpresa. Mas nada deixava transparecer.

Dava corda no relógio, cumprimentava-me, saía e me encontrava cinco minutos mais tarde, pela quarta vez, no quarto da torre. Cumprimentava-me novamente e dava corda no relógio.

M. Machavoine era um sábio. Eu o apreciava tanto, sem nunca ter-lhe dito uma palavra.

Eu o apreciava em razão dos êxtases que me causava, surgidos do hábito, do silêncio e do tempo.

(Fonte: Jean d'Ormesson, “Au plaisir de Dieu”, Ed. Gallimard, 1980, 626 páginas.)


GLÓRIA CRUZADAS CATEDRAIS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCATEDRAIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS