segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A certeza na missão da nobreza e a supervivência dos castelos

Wissekerke, Belgica
Um outro fator de decadência dos castelos foi a perda de convicções na família nobre com respeito a sua missão histórica, ligada visceralmente à religião católica, a monarquia e a oposição aos fatores de desagregação moral e igualitários do mundo moderno.

Escreveu o já citado d’Ormesson:

A segurança que me envolvia inteiramente estava longe de ser a segurança social, resultante de um acordo entre homens. Eu estava literalmente entre as mãos de Deus.

Ele não estava morto e velava sobre mim e portanto nada podia acontecer-me, a não ser peripécias sem sérias conseqüências. Poderia morrer, naturalmente. E então?


O mérito e o talento não entravam em nosso sistema familiar, mas a morte entrava ‒ e muito bem ‒ pois os mortos exerciam na família um papel mais importante do que os vivos. Alem do mais, éramos cristãos.

Parece-me que naqueles tempos a morte nos causava menos horror do que hoje em dia. Ela não nos inquietava tanto. A morte, para um cristão, não é a finalidade da vida?

É com essa concepção, suponho, que o velho Eléazar partira para o Oriente, com uma cruz no peito; que nós nos tínhamos feito matar pelo rei e pelo papa nos campos de batalha ‒ lançado nossas cabeças, vazias de idéias mas carregadas de fé ‒ do pé dos cadafalsos.

Hargimont, Belgica
E com essa mesma concepção que meus tios reacionários e meus primos monarquistas encontraram a morte na África e na Ásia para maior glória de uma república detestada.

A alegria que tomava conta de mim ao contemplar os jardineiros varrer o pátio de château ou M. Machavoine em seu afã de dar corda nos relógios ou ao ler o jornal matutino ou L'Illustration que Antonin Magne ganhava o Tour de France, era uma alegria mística.

Os grandes acontecimentos despertavam em meu avô um suspiro: “Que época!”, pois ele via que os homens punham areia nas engrenagens de Deus.

Quanto aos pequenos acontecimentos, via-se que Deus prosseguia com seu plano. Deus abandonava a seu destino terrível os Lugares Santos, Jerusalém, Moscou, Constantinopla, Baden-Baden, Dauville, Paris e talvez até mesmo Roma cegada pelo modernismo.

Mas ele ainda cuidava bem de nosso château, dos jardineiros e seus jardins, dos relojoeiros e seus relógios.

Essa felicidade tão calma, essa certeza tão sólida era entretanto um pouco triste.

Utrecht
Quando me despertava, ninguém me sussurrava o que o valet de chambre do outro Saint-Simon lhe dizia: “Despertai, Monsieur le comte, pois tendes grandes coisas a fazer”.

Mas de que grandes aventuras poderíamos nós sonhar, visto que nossos antepassados e Deus tinham se encarregado de tudo?

Só tínhamos uma coisa a fazer: perturbar o menos possível o que restava dos tempos antigos. Mal ousávamos ler, falar, respirar, escutar.

Quem sabe se ao mexer não romperíamos mais um pouco o equilíbrio, hoje tão frágil em razão das más idéias que cresciam como urtigas?

Tratava-se de não se mexer, de não tocar em nada, tapar os ouvidos e os olhos, vigiar todos os cantos para salvaguardar a santa imobilidade da verdade, do belo e do bem.

(Fonte: Jean d'Ormesson, “Au plaisir de Dieu”, Ed. Gallimard, 1980, 626 páginas.)



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